Plano
Real trouxe inflação baixa
O economista Tarcísio Araújo, professor da UFPE
e pesquisador voltado para questões do mercado de trabalho,
avalia os oito anos da moeda brasileira
Que balanço o sr. faz desses
oito anos do Real?
Não é fácil avaliar um governo e, muito menos,
dois períodos de um governo numa época em que o
Brasil sofre grandes mudanças econômicas e tecnológicas.
Um enfoque possível pode ser tentar identificar o que constitui
benefício para a sociedade brasileira e o que resultou
em prejuízos, custos sociais. Viver com inflação
relativamente baixa, por longo período, traz benefícios
óbvios e um certo conforto no cotidiano das pessoas, além
de ajudar a sedimentar uma cultura de preços baixos. Tal
resultado, conseguido com taxas de juros muito altas e abertura
do mercado nacional às importações, trouxe
conseqüências danosas, principalmente o frágil
crescimento econômico. A política de câmbio
quase fixo e sobrevalorizado do Real até 1998 foi outro
pilar de sustentação da inflação baixa
que deixou seqüela fundamental: a vulnerabilidade da economia
brasileira, cada vez mais dependente do capital externo. Essa
vulnerabilidade externa da economia, a dívida pública
interna de mais de R$ 600 bilhões e o déficit social,
magnificado nestes oito anos, constituem os grandes desafios em
termos de administração da economia brasileira –
se o objetivo é domar a inflação e gerar
um ambiente de crescimento econômico.
O enfoque social da administração
federal teria ficado comprometido pela necessidade de controlar
a inflação?
A questão social foi claramente sacrificada no Brasil –
apesar de todo o marketing tentando dizer o contrário.
E foi assim porque, a despeito da oportunidade de reduzir desigualdades,
via política tributária, via política salarial
e, principalmente, via um pacto social para viabilizar estas e
outras reformas, o Governo fez um arranjo político retrógrado
e agravou mecanismos de desigualdade, de concentração
da riqueza e da renda. Qualquer que seja o indicador de distribuição
adotado, evidências indicam que a desigualdade de renda
no Brasil nos últimos 23 anos não apresenta tendência
de redução. Os que constituem o grupo de 1% mais
rico da população trabalhadora brasileira respondem
por proporção da renda total maior que o cabe aos
50% mais pobres (IBGE para 1999). Outro indicador importante se
refere ao rendimento de assalariados: informações
do IBGE revelam que o salário real médio caiu de
R$ 1.104,36 (dezembro de 1998) para R$ 753,66 (novembro de 2001).
As informações disponíveis sugerem estar
havendo uma significativa transferência de ganhos (dos trabalhadores
em geral e de outros segmentos) para o setor financeiro, na esteira
do Plano Real – que aprofundou a dependência do Estado
em relação ao capital financeiro. O resultado global
do quadro histórico e das tendências recentes, aqui
sumarizados, é que desigualdade e pobreza são aspectos
recorrentes da realidade brasileira. De costas para uma oportunidade
histórica, o Governo cumpriu dois mandatos sem mexer uma
palha para articular um pacto nacional favorável ao desenvolvimento
com redução das desigualdades.
Qual é a receita certa
para manter a moeda estável e voltar a investir no social?
Articular um pacto social, tendo desenvolvimento e distribuição
como eixos, educação (inclusive universidades) e
saúde como prioridades intocáveis, fortalecimento
das exportações e inserção definitiva
dos micros e pequenos empreendimentos como um dos pilares do desenvolvimento.
Também não se pode continuar com a desigualdade
na distribuição da terra. Um detalhe importante:
rediscutir a utilização dos recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), hoje um patrimônio de R$ 70
bilhões, o que implica a difícil tarefa de desarticular
mecanismos de cooptação das centrais sindicas –
em particular da Força Sindical. Implica também
saber como estão sendo gastos recursos dos programas de
emprego via crédito, distribuídos pelo Banco do
Nordeste, Banco do Brasil e BNDES. Esses recursos, junto com os
de qualificação profissional, totalizam a soma nominal
de R$ 30 bilhões no período 1995-2001.
Que garantias tem o povo brasileiro
de que essa estabilidade da moeda resistirá a uma mudança
de governo?
O povo tem que buscar essa garantia. Ademais, qualquer que seja
o governo, não se espera que haja mudanças tão
drásticas a ponto de fazer voltar a ciranda inflacionária.
Mudanças na política de juros, associadas ao fortalecimento
das exportações – para reduzir a vulnerabilidade
externa da economia – deverão ser graduais. Mas há
que se estabelecer um pacto político muito melhor que o
que sustentou o Governo nestes oitos anos. E, de fato, necessita
ser um pacto que represente avanço político. Qualquer
acordo em que as velhas oligarquias continuem sendo o principal
vetor de poder adiaria, mais uma vez, o início da mudança
de rota para algo melhor que o que tivemos até agora.
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