Ano VIII - Nº 102 - Julho/2002














 

Plano Real trouxe inflação baixa

O economista Tarcísio Araújo, professor da UFPE e pesquisador voltado para questões do mercado de trabalho, avalia os oito anos da moeda brasileira

Que balanço o sr. faz desses oito anos do Real?
Não é fácil avaliar um governo e, muito menos, dois períodos de um governo numa época em que o Brasil sofre grandes mudanças econômicas e tecnológicas. Um enfoque possível pode ser tentar identificar o que constitui benefício para a sociedade brasileira e o que resultou em prejuízos, custos sociais. Viver com inflação relativamente baixa, por longo período, traz benefícios óbvios e um certo conforto no cotidiano das pessoas, além de ajudar a sedimentar uma cultura de preços baixos. Tal resultado, conseguido com taxas de juros muito altas e abertura do mercado nacional às importações, trouxe conseqüências danosas, principalmente o frágil crescimento econômico. A política de câmbio quase fixo e sobrevalorizado do Real até 1998 foi outro pilar de sustentação da inflação baixa que deixou seqüela fundamental: a vulnerabilidade da economia brasileira, cada vez mais dependente do capital externo. Essa vulnerabilidade externa da economia, a dívida pública interna de mais de R$ 600 bilhões e o déficit social, magnificado nestes oito anos, constituem os grandes desafios em termos de administração da economia brasileira – se o objetivo é domar a inflação e gerar um ambiente de crescimento econômico.

O enfoque social da administração federal teria ficado comprometido pela necessidade de controlar a inflação?
A questão social foi claramente sacrificada no Brasil – apesar de todo o marketing tentando dizer o contrário. E foi assim porque, a despeito da oportunidade de reduzir desigualdades, via política tributária, via política salarial e, principalmente, via um pacto social para viabilizar estas e outras reformas, o Governo fez um arranjo político retrógrado e agravou mecanismos de desigualdade, de concentração da riqueza e da renda. Qualquer que seja o indicador de distribuição adotado, evidências indicam que a desigualdade de renda no Brasil nos últimos 23 anos não apresenta tendência de redução. Os que constituem o grupo de 1% mais rico da população trabalhadora brasileira respondem por proporção da renda total maior que o cabe aos 50% mais pobres (IBGE para 1999). Outro indicador importante se refere ao rendimento de assalariados: informações do IBGE revelam que o salário real médio caiu de R$ 1.104,36 (dezembro de 1998) para R$ 753,66 (novembro de 2001). As informações disponíveis sugerem estar havendo uma significativa transferência de ganhos (dos trabalhadores em geral e de outros segmentos) para o setor financeiro, na esteira do Plano Real – que aprofundou a dependência do Estado em relação ao capital financeiro. O resultado global do quadro histórico e das tendências recentes, aqui sumarizados, é que desigualdade e pobreza são aspectos recorrentes da realidade brasileira. De costas para uma oportunidade histórica, o Governo cumpriu dois mandatos sem mexer uma palha para articular um pacto nacional favorável ao desenvolvimento com redução das desigualdades.

Qual é a receita certa para manter a moeda estável e voltar a investir no social?
Articular um pacto social, tendo desenvolvimento e distribuição como eixos, educação (inclusive universidades) e saúde como prioridades intocáveis, fortalecimento das exportações e inserção definitiva dos micros e pequenos empreendimentos como um dos pilares do desenvolvimento. Também não se pode continuar com a desigualdade na distribuição da terra. Um detalhe importante: rediscutir a utilização dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), hoje um patrimônio de R$ 70 bilhões, o que implica a difícil tarefa de desarticular mecanismos de cooptação das centrais sindicas – em particular da Força Sindical. Implica também saber como estão sendo gastos recursos dos programas de emprego via crédito, distribuídos pelo Banco do Nordeste, Banco do Brasil e BNDES. Esses recursos, junto com os de qualificação profissional, totalizam a soma nominal de R$ 30 bilhões no período 1995-2001.

Que garantias tem o povo brasileiro de que essa estabilidade da moeda resistirá a uma mudança de governo?
O povo tem que buscar essa garantia. Ademais, qualquer que seja o governo, não se espera que haja mudanças tão drásticas a ponto de fazer voltar a ciranda inflacionária. Mudanças na política de juros, associadas ao fortalecimento das exportações – para reduzir a vulnerabilidade externa da economia – deverão ser graduais. Mas há que se estabelecer um pacto político muito melhor que o que sustentou o Governo nestes oitos anos. E, de fato, necessita ser um pacto que represente avanço político. Qualquer acordo em que as velhas oligarquias continuem sendo o principal vetor de poder adiaria, mais uma vez, o início da mudança de rota para algo melhor que o que tivemos até agora.